[2] Rhaissa Bittar - Matéria Estelar

Rhaissa Bittar - Matéria Estelar
FOTO: RODOLFO MAGALHÂES
Rhaissa Bittar - Matéria Estelar

Em sua publicação mais famosa, intitulada ‘Cosmos’, o cientista americano Carl Sagan sustenta a tese de que todos somos feitos de matéria estelar. Veio daí a inspiração de Rhaissa Bittar e de seu diretor musical, Daniel Galli, para a criação de ‘Matéria Estelar’, o segundo disco da cantora.

O repertório do trabalho é uma série de apólogos, como são chamadas as narrativas que dão vida a personagens inanimados. Uma coisa puxou a outra. Já que tudo no mundo pode ser farinha do mesmo saco, que tal escolher objetos e contar suas histórias, seus dramas? A partir dessa ideia, ‘Matéria Estelar’ é um show de criatividade.

As composições do disco - uma faixa para cada inusitado protagonista - misturam humor e melancolia de uma forma sublime. A maioria delas foi assinada por Galli, que também conduziu o projeto do início ao fim. Dona de uma voz doce e delicada, Rhaissa aparece versátil com sua interpretação quase teatral, já conhecida em ‘Voilà’, disco de 2010.

‘Matéria Estelar’ é grandioso nos quesitos técnicos. Muitos instrumentos estão presentes para dar conta da variada mistura de gêneros musicais: jazz, samba, tango e até frevo. A faixa que abre o disco, por exemplo, contou com 16 músicos. Outra big bang, a Spok Frevo Orquestra, também fez uma participação especial com seus 17 integrantes. Todos os sons são usados com originalidade, sem excesso, e o resultado é encantador. Para completar, a caprichada arte visual ficou a cargo do designer Jum Nakao, responsável por ilustrar todos os personagens.

Daniel Galli, Rhaissa Bittar e Jum Nakao

E quem são os personagens de ‘Matéria Estelar’?

- Uma lista telefônica desempregada, esquecida no Sebo do Messias. Quando vai procurar trabalho, o que consegue é ser usada como peso de porta, calço de mesa, mesa de truco...
- Uma pera sofrendo com a idade (“Nesse estado eu não sirvo nem pra compota”) e pelo amor não correspondido por um caju.
- Um leque em decadência que chora ao lembrar dos tempos em que era ícone da alta sociedade. “Não vejo a hora de me aposentar”.
- A adaga de Lady Macbeth, que acabou se apaixonando pelo nobre coração do Rei Duncan. “Um simples beijo meu podia ser fatal”.
- Um fogo de artifício ciente do destino que o espera. “Já que é pra morrer, que seja em grande estilo”.
- Uma foto esquecida, passando por uma grave crise existencial.
- Uma dura, fria e quieta pedra. “O pó da estrada é minha maquiagem”.
- O cavalo que se sacrificou no jogo de xadrez para salvar sua dama. “Ninguém encostaria um dedo na minha rainha de ipê”.
- Um velho tamborim no fundo da garagem que, com as gotas da chuva que caem, acaba fazendo um samba sem querer. “Os pingos sincopados na minha pele lembram os bambas do meu tempo”
- Um guarda-chuva que sonhava em ser objeto cenográfico de Hollywood, mas acabou como sombrinha de frevo. “Um arco-íris girando na sua mão”.
- A pérola do brinco da moça, numa referência à obra do pintor holandês Johannes Vermeer. “Vi um filme um belo dia e nele aparecia uma pedra se passando por moi. Na orelha da Scarlett Johanson. Quem diria?”
- Palitos insatisfeitos e aflitos com a convivência dentro da caixa de fósforos. Todos se chamam Paulo e estão dando depoimentos sobre os problemas da vida em grupo. A música é cantada por quatro convidados: Paulo Padilha, Paulinho Mosca, Paulo Tatit e Paulinho Boca de Cantor. O coro que aparece no final é formado por quarenta vozes - ou melhor, quarenta palitos.

Rhaissa Bittar encerra cantando um singelo questionamento: “Se eu sou feito de matéria estelar, terão as estrelas vontade de chorar?”

Com sua dose generosa de imaginação, ‘Matéria Estelar’ é disco belíssimo que merece inúmeras audições. Garanto que você vai descobrir algo novo cada vez que ouvi-lo. 

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  NAS  LISTAS  ANTERIORES:  
16º lugar em 2010 com o disco Voilà